Este ano, a praça está sem
frevo nas prévias de carnaval. No lugar do ritmo, um silêncio incômodo. Pela
primeira vez em 130 anos, a Sociedade Musical Euterpina Juvenil Nazarena, mais
conhecida como Capa Bode, não se apresentará em Nazaré da Mata, terra onde
surgiu, na Zona da Mata Norte pernambucana. A decisão não tem volta. Quem
garante é o presidente e maestro da Sociedade, João Paulo Ferreira da Hora,
também conhecido como maestro Minuto. Os ensaios para o carnaval já deveriam
ter começado desde dezembro do ano passado, na sede da Capa Bode, na Praça
Herculano Bandeira ou Praça do Frevo. Nesses dias, o logradouro se enchia de
gente ávida para escutar o ritmo. As razões para a pausa passam pela
dificuldade no pagamento do cachê dos músicos. A Capa Bode é Patrimônio Vivo do
Estado de Pernambuco.
Segundo o maestro Minuto, a
última parcela do pagamento devido pela prefeitura municipal referente ao
carnaval do ano passado ainda está pendente, no valor de R$ 700. O repasse,
disse o músico, aconteceu em 12 vezes. “A situação provocou muito mal estar com
os integrantes da banda. Recebi muita pressão e precisei de atendimento médico.
Não quero passar por isso de novo. Havia uma promessa de que o pagamento seria
à vista”, criticou Minuto. Após anunciar a decisão a cerca de 40 músicos,
Minuto disse ter liberado os profissionais para formarem uma banda para tocarem
no carnaval do município ou mesmo com outros artistas.
A decisão também foi anunciada
na página do Facebook da Capa Bode, na última sexta-feira, acompanhada de um
esclarecimento: “Chegou ao nosso conhecimento que uma liderança política da
cidade falou que a Capa Bode não fez a inscrição na Fundarpe e Empetur e,
devido a isso, não estaria habilitada a tocar no carnaval de Nazaré. Isso não
procede, pois a Capa Bode, assim como qualquer outro Patrimônio Vivo de
Pernambuco, são automaticamente habilitados. Se falaram isso, é para mascarar o
verdadeiro motivo de não tocarmos”, diz a nota.
A Sociedade passou a ser
conhecida como Capa Bode por conta de um antigo costume dos músicos, ainda no
século 18. Todo dia 1º de janeiro eles comemoravam o aniversário da banda com
um bode castrado assado ou guisado. “Como todo mundo se conhecia, as pessoas
diziam quando eles passavam para comemorar: ‘Lá vão os capabodes”, conta
Minuto. O nome passou de geração em geração, mas o costume de se alimentar com
o bode parece ter ficado para trás, como garante o maestro. A banda tem uma
orquestra de frevo de palco e de cortejo de rua, além de um quinteto de
instrumentistas. O músico mais novo hoje tem 10 anos e o mais velho é Pelé, com
73 anos.
Enquanto a centenária
Sociedade dá uma triste pausa nas apresentações em Nazaré, sua concorrente, a
Sociedade Musical 5 de Novembro, conhecida como Revoltosa, garante levar o
frevo para os moradores e turistas do município. Severino Belarmino da Silva,
presidente da Revoltosa, disse que começou os ensaios na semana passada, na
sede da banda, na Praça Carlos Gomes. “Realmente, passamos por problemas no
pagamento dos cachês. A prefeitura fracionou e criou insatisfação, mas a
Fundarpe também só nos pagou o carnaval em agosto do ano passado”, queixou-se
Severino. Segundo ele, a secretaria municipal está viabilizando as
apresentações deste ano.
A Revoltosa tem 103 anos,
também tem duas orquestras e é uma dissidência da Capa Bode. O nome oficial
surgiu porque a primeira apresentação dos músicos foi em 5 de novembro, em
Upatininga, distrito de Aliança. Quem emprestou os instrumentos na época foi o
padre Marinho. Em troca, o religioso pediu para eles tocarem na festa do
padroeiro do distrito, em janeiro. Severino lamentou a decisão da concorrente
ficar de fora do carnaval deste ano. “Isso não é bom para ninguém, inclusive
para a cidade e para a nossa instituição. Não deixa de ser uma perda, mas ele
tem os motivos dele.” E toda vez que uma banda centenária se cala, quem perde é
a cultura pernambucana.
*Diario de Pernambuco/
Marcionila Teixeira
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